Desigualdade
População de rua cresce 188% em três anos em Pelotas
Levantamento feito por serviços de assistência social apontam crescimento acelerado no número de pessoas sem teto
Jô Folha -
Cena é cada vez mais comum nas ruas de Pelotas (Foto: Jô Folha - DP)
“Todo dia eu penso em mudar de vida, arranjar emprego e recomeçar. Mas chega a noite e bate aquela tristeza vendo todo mundo indo para casa jantar, assistir TV. Vem a recaída e inicia tudo de novo.” O relato é de Gabriel dos Santos, 26, que há dois anos passou a dormir em calçadas e praças do centro de Pelotas. Ele é apenas um dos moradores de rua que recorrem diariamente ao Centro Pop, mantido pela Secretaria de Assistência Social (SAS) para dar acolhimento a quem vive neste tipo de situação. Assim como o jovem, outros tantos encorparam o cadastro municipal nos últimos três anos. Enquanto em 2015 o número oficial indicava 150 cidadãos sem teto na cidade, agora chega a 432.
O aumento de 188% - quase o triplo - não só é visto nas ruas. É, sobretudo, sentido na pele por quem passou a integrar essa triste estatística. Pessoas com perfil bem definido: 95% são homens, com idade entre 18 e 45 anos, com ensino fundamental incompleto e consumidores de álcool e drogas. Esta última característica, aliás, é vista tanto como fator gerador quanto agravante do problema.
“A maioria das pessoas que estão na rua são usuários de substâncias pesadas e isso influencia na recolocação no mercado de trabalho, no retorno à sociedade. Torna muito mais difícil”, afirma a coordenadora do Centro Pop, Taís Furtado Mendes. Caso de Gabriel, citado no começo desta reportagem. Antes de perder os vínculos familiares por conta do uso de drogas e passar a vagar pela cidade, chegou a ser aprovado no elenco de base de um clube de futebol da cidade e trabalhar como garçom. “Agora não sobrou nada. Mas sou novo ainda, dá tempo de recomeçar”, diz, esperançoso.
Em busca de renda e dignidade
Visivelmente constrangido, porém carente de contar sua história, Leonel Nunes, 47, foge do perfil predominante dos sem teto pelotenses. Não apenas pela idade, mas pelo histórico. Não é usuário de drogas e tinha estabilidade como servidor público municipal. Até que um desentendimento com outro funcionário o afastou do trabalho há três anos. Sem emprego e família capazes de lhe dar suporte, entregou a casa que alugava e passou a alternar as noites no albergue noturno, no Pronto Socorro e na Estação Rodoviária. Atualmente, dorme de favor na garagem de um amigo.
“Busquei alguns bicos com pintura, limpeza, servente. Nunca mais consegui serviço. Acho que pela idade, né? Às vezes bate a tristeza. Só queria uma oportunidade para esquecer o passado e daqui para frente ter uma renda e tocar a vida adiante”, projeta. Enquanto isso não acontece, faz duas refeições diárias e toma banho no Centro Pop. E às vezes ajuda na limpeza. “Para me sentir útil.”
Secretário contesta
Para o secretário de Assistência Social, Luiz Eduardo Longaray, parte do aumento no número de sem teto percebido pela população se deve à presença de andarilhos de países vizinhos como Uruguai e Argentina que nesta época passam pela cidade indo ou voltando de regiões litorâneas mais ao norte do país. Apesar de apontar “o agravamento da crise econômica do país” como outro fator que influencia na quantidade de pessoas na rua, contesta o crescimento de 188% em três anos.
“Acredito que este número acima de 400 pessoas seja um acumulado de registros desde 2006 e não represente a realidade atual. Apesar de haver moradores de rua pela cidade, o número atual de atendimentos que fazemos é de 120 a 140 pessoas por mês”, argumenta.
Para tentar contornar o problema dos sem teto, Longaray afirma que foram intensificadas operações com as secretarias de Saúde e de Segurança Pública para encaminhar estas pessoas a serviços de assistência como capacitação para o mercado e retomada de vínculos familiares. “A tendência é melhorar, pois não vamos parar com a busca”, aponta.
Apesar do contraponto do secretário sobre a quantidade de gente vivendo nas ruas, a área do Centro Pop responsável pelo cadastro e acompanhamento confirma que são 432 sem teto utilizando algum dos serviços do local atualmente. Somente nos primeiros 20 dias de abril foram cadastrados mais 39 moradores de rua.
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